REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA

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O que é regularização fundiária urbana?

A regularização fundiária urbana é uma expressão adotada quando o legislador ou o profissional da área pretende se referir, exclusivamente, às regularizações fundiárias realizadas em “zona urbana”, “zona de expansão urbana” ou “zona de urbanização específica”. A regularização fundiária urbana está sujeita as regras da Lei nº 13.465/17, que a regulamenta.

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Como fazer regularização fundiária urbana?

O “procedimento administrativo” de regularização fundiária urbana está previsto e regulamentado no artigo 28, da Lei nº 13.465/17. Adotando os ensinamentos de José Cretella Júnior, conceituamos o “procedimento administrativo” de regularização fundiária urbana como o conjunto de atos praticados pelo Município, em ordem preestabelecida, objetivando uma decisão final da autoridade competente que aprove o projeto de regularização. Destacamos a expressão “processo administrativo”, que deve ser conceituado como os papéis e documentos em que se materializam os atos praticados no “procedimento”, como explica Plácido e Silva. Não se confunde “processo” com “procedimento”. O primeiro existe sempre como instrumento indispensável para o exercício da função administrativa. Tudo o que o Município providencia na regularização fundiária fica documentado em um “processo”. O “procedimento”, explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é o conjunto de formalidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos. Equivale a rito, a forma de proceder. É uma sequência ordenada de atos administrativos para solução de uma demanda, isto é, a regularização do “núcleo urbano informal consolidado”.

Quando o núcleo urbano informal consolidado for Reurb-S (interesse social), ou quando for Reurb-E (interesse específico) de área pública com posterior ressarcimento ao Município, haverá despesas com o custeio do projeto de regularização e infraestrutura, a serem, em princípio, suportados pelo próprio Município. Segundo o artigo 4º, §3º, do Estatuto da Cidade, se a regularização fundiária demandar dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal deve ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil. Neste caso, deverá o Município, além de dar publicidade aos atos decisórios da Reurb, realizar audiências públicas apresentando para a comunidade que constitui o núcleo informal, bem como para os movimentos e entidades da sociedade civil, além da população em geral, o “projeto de regularização fundiária”, para que se discuta especificamente as despesas envolvendo a elaboração do projeto e as obras de infraestrutura essencial, equipamentos comunitários, melhorias habitacionais e o cronograma de execução.

As fases do procedimento de regularização fundiária urbana foram definidas pelo legislador federal. Estabelece o caput do artigo 28, da Lei nº 13.465/17:

Art. 28. A Reurb obedecerá às seguintes fases:

I – requerimento dos legitimados;

II – processamento administrativo do requerimento, no qual será conferido prazo para manifestação dos titulares de direitos reais sobre o imóvel e dos confrontantes;

III – elaboração do projeto de regularização fundiária;

IV – saneamento do processo administrativo;

V – decisão da autoridade competente, mediante ato formal, ao qual se dará publicidade;

VI – expedição da CRF pelo Município; e

VII – registro da CRF e do projeto de regularização fundiária aprovado perante o oficial do cartório de registro de imóveis em que se situe a unidade imobiliária com destinação urbana regularizada.

No mesmo sentido dispôs o artigo 21, do Decreto nº 9.310/18:

Art. 21. A Reurb obedecerá às seguintes fases:

I – requerimento dos legitimados;

II – processamento administrativo do requerimento, no qual será conferido prazo para manifestação dos titulares de direitos reais sobre o imóvel e dos confrontantes;

III – elaboração do projeto de regularização fundiária;

IV – saneamento do processo administrativo;

V – decisão da autoridade competente, por meio de ato formal, ao qual será dado publicidade;

VI – expedição da CRF pelo Município ou pelo Distrito Federal; e

VII – registro da CRF e do projeto de regularização fundiária aprovado no cartório de registro de imóveis em que se situe a unidade imobiliária com destinação urbana regularizada.

São objetivos da regularização fundiária urbana?

Os poderes públicos formularão e desenvolverão no espaço urbano as políticas de suas competências de acordo com os princípios de competitividade, sustentabilidade econômica, social e ambiental, ordenação territorial, eficiência energética e complexidade funcional, buscando que o solo seja ocupado de maneira eficiente, combinando seu uso de forma funcional.

Pelo artigo 10, da Lei nº 13.465/17, e pelo artigo 2º, do Decreto nº 9.310/18, constituem objetivos da Regularização Fundiária Urbana – Reurb:

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a) identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior;

É preciso que as Administrações Públicas Municipais atuem com uma adequada gestão urbanístico-ambiental, identificando através de relatórios e mapas os núcleos urbanos informais suscetíveis a regularização. O primeiro passo em um programa de regularização fundiária é a identificação daquilo que precisará ser regularizado. A organização desses núcleos urbanos informais destina-se a garantir acessibilidade e mobilidade, no seu interior ou nas vias que lhe dão acesso. A definição dos tamanhos dos lotes, os espaços ocupados pelo sistema viário, os usos permitidos, os parâmetros e índices urbanísticos. Além disso, a prestação dos serviços públicos essenciais deverá ser assegurada, com sistema de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, drenagem das águas pluviais e energia domiciliar.

b) criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes;

Certos núcleos urbanos informais consolidados não possuem a identificação e registro formal das unidades imobiliárias, que podem ser constituídas em apartamentos, casas, lotes, lajes. A regularização fundiária é também destinada a isso, a estabelecer a criação oficial dessas unidades e atribuir, em cada uma delas, os direitos reais aos respectivos ocupantes. Cada apartamento, casa e lote será desenhado e descrito, sobre ele será identificado o ocupante, e assim será levado a registro. O propósito da regularização, como vimos, é estabelecer a adequada ocupação do conjunto (o bairro, a comunidade), mas também resolver o domínio das pessoas sobre as áreas que residem ou exercem suas atividades profissionais.

c) ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados;

A distribuição da terra está a serviço da função social da propriedade. Não se trata de entregar livremente aos posseiros o domínio ou a posse formal dos terrenos por eles ocupados. O dono do terreno ou seu legítimo possuidor, sempre quando tem sua propriedade violada, pode se valer da ação reivindicatória, da ação de manutenção de posse ou da ação de reintegração de posse, como medidas judiciais, sem esquecer da legítima defesa da posse e do desforço possessório. Porém, se nada faz o titular, há uma presunção de que não tem interesse no terreno, pois se decorre um período, chamado de prescrição aquisitiva, estaremos diante da possibilidade de proposição de usucapião pelos ocupantes de áreas particulares. Mesmo assim, haverá a citação e possibilidade de contestação do titular de domínio no processo de usucapião. É importante ter a consciência da obrigação do proprietário do terreno em protegê-lo, mantendo a sua devida manutenção conforme os regulamentos urbanísticos e ambientais a respeito. A obrigação de manter o terreno limpo é do proprietário, assim como cercá-lo, protegê-lo com segurança privada e através de medidas judiciais, se for o caso. É uma consequência da propriedade. Cuidar e proteger do que é seu é um dos elementos que demonstram a satisfação da função social da propriedade, respeitados os parâmetros municipais, que pode simplesmente estar limitada a manutenção do terreno e pagamento do IPTU, como também pode ser que a Administração se valha de instrumentos urbanísticos, tal como o “parcelamento, edificação e utilização compulsórios”.

d) promover a integração social e a geração de emprego e renda;

A regularização fundiária urbana busca reduzir as diferenças estéticas, paisagísticas, de infraestrutura e serviços urbanos entre os diversos bairros da cidade. É comum que nos bairros mais nobres os lotes sejam maiores, os recuos frontais e laterais também, assim como a largura das ruas e calçadas. Nos bairros mais humildes não é isso que costumamos ver, pois há um adensamento urbano muito maior, provocado por um aproveitamento maior do espaço.

No que diz a geração de empregos e renda, é pouco provável que isso ocorra, pois a regularização fundiária destina-se àquilo que está consolidado. O que está implantado, consolidado, com moradores e estabelecimentos comerciais ou industriais, não vai mudar com o registro da regularização. As mesmas pessoas continuarão ali, ocupando os mesmos espaços, com os mesmos locais de trabalho. Evidente que haverá valorização imobiliária do terreno pois as unidades imobiliárias passam a ter uma matrícula. Se estivéssemos formando um novo bairro, com alienações ou concessões de áreas para a instalação de indústrias ou comércios e serviços temáticos (shopping center, parque de diversões), aí sim poderíamos falar em geração de emprego e renda. Manter o que já existe não gera emprego ou renda.

e) estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade;

A resolução extrajudicial de conflitos somente tem sentido se houver uma demanda judicial que impeça a regularização fundiária urbana. Essa demanda judicial pode ser decorrente de duas categorias distintas de ações: a) ação civil pública, geralmente proposta pelo Ministério Público, em defesa do meio ambiente ou da ordem urbanística; b) reivindicação, manutenção da posse ou reintegração da posse, propostas pelo proprietário ou legítimo possuidor do terreno. Em ambos os casos, conforme o artigo 74, da Lei nº 13.465/17, não é suficiente a propositura da ação judicial, pois deve haver decisão judicial específica que impeça a análise, aprovação e registro do projeto de regularização fundiária urbana.

Havendo uma dessas categoriais de demanda judicial, com a decisão judicial acima mencionada, surge para o Poder Público municipal a oportunidade de se valer da resolução extrajudicial de conflitos, que poderá resultar, em linhas gerais: a) em um acordo firmado com o Ministério Público nos autos da Ação Civil Pública, assumindo compromissos específicos que atendam ao interesse coletivo defendido na demanda; b) em acordo com o dono do terreno, para que este aliene, gratuita ou onerosamente, a propriedade dos lotes ocupados aos respectivos posseiros, ou até mesmo a doação livre de todo o terreno para o Município ou o emprego do “consórcio imobiliário”.

f) garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas;

Moradia digna é aquela que possui energia elétrica para que os habitantes tenham os equipamentos fundamentais para a vida em sociedade, tal como uma geladeira e um chuveiro para o banho quente. Assim como água potável para o consumo, a limpeza, a higiene. Viver em um bairro sem enchentes ou riscos de deslizamentos. Possuir uma casa que tenha condições estruturais compatíveis com as normas básicas de segurança e higidez da construção.

Aliás, o artigo 3º, inciso III, da Constituição Federal estabelece que são objetivos fundamentais da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. E o artigo 5º, também da Constituição Federal dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

g) garantir a efetivação da função social da propriedade;

Embora o artigo 5º, da Constituição Federal estabeleça que para todos é “garantido o direito de propriedade”, o mesmo dispositivo na sequência prevê que “a propriedade atenderá a sua função social” (incisos XII e XIII).

Garantir a função social da propriedade significa que esta deve ser usada conforme os parâmetros urbanísticos e edilícios fixados pelo Poder Público, bem como pela sua política de desenvolvimento institucional ou social. Isso pode ser efetivado mediante o zoneamento municipal, as normas sobre as edificações, os instrumentos de política urbana, tal como a ZEIS, a desapropriação, o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.

h) ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes;

Segundo o artigo 182, §2º, da Constituição Federal, “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. O plano diretor, portanto, é o “instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”, e nele serão previstos os instrumentos de política urbana do Estatuto da Cidade (zoneamento, desapropriação, parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, etc), que são limitadores do direito de propriedade, e resultam do poder atribuído pelo texto constitucional, especialmente e exclusivamente, aos Municípios, para que através dos citados instrumentos, revelem a função social que desejam dar as propriedades localizadas no perímetro de seus Municípios, atendidas as características e demandas sociais, culturais e históricas.

i) concretizar o princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo;

O Princípio da Eficiência na Administração Pública está previsto no artigo 37, caput, da Constituição Federal. A Lei nº 13.465/17 indica que deve ser adotado também na ocupação e no uso do solo. Para Celso Antonio Bandeira de Mello o princípio não parece ser mais do que uma faceta de um princípio mais amplo, tratado no Direito italiano: o princípio da boa-administração. Significa desenvolver a atividade administrativa do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis como os mais idôneos para tanto. Não se coloca simplesmente como um dever ético ou como mera aspiração deontológica, senão como um dever atual e estritamente jurídico. Para Hely Lopes Meirelles, o Princípio da Eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. Não se contenta que a atividade administrativa seja realizada com legalidade, exigindo-se, a partir de então, resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.

A redação da alínea “i”, nos parece um tanto equivocada. O Princípio da Eficiência foi aqui banalizado, pois como podemos compreender da lição de Celso Antonio e Hely, este princípio norteia os atos da Administração Pública, a atividade administrativa é a sua causa, que aponta para um resultado de interesse público. Eficiência na ocupação do solo e no uso do solo talvez não seja a expressão mais adequada. O melhor seria dizer eficiência no “controle” da ocupação e no uso do solo. Nos parece que faltou aí a palavra controle. Pois estaria a Administração Pública agindo com eficiência no controle da ocupação e uso do solo urbano. Esse é o atributo da competência constitucional do Município, “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (artigo 30, VIII, da Constituição Federal).

j) prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais;

É com a citada eficiência da alínea acima que o controle da ocupação e do uso do solo produzirá resultados positivos para o interesse público. Prevenção e desestímulo a formação de novos núcleos urbanos informais é absolutamente diferente da repressão. Busca-se através desse objetivo medidas que evitem a ocupação, antecedam a posse do terreno pelos ocupantes, e isso pode ocorrer com a Prefeitura exercendo sua competência legal de defender a posse e propriedade dos bens de domínio público, bem como promover as medidas administrativas e judiciais concretas para a proteção ao meio ambiente e à ordem urbana, valendo para isso da Lei de Ação Civil Pública, termo de ajustamento de conduta e propositura de ação judicial.

Investir no patrulhamento terrestre e aéreo também apresenta resultados eficientes, pois a equipe de fiscalização do Poder Público deve impedir que criminosos ou infratores deturpem a ordem pública descumprindo a legislação, em absoluto desrespeito as autoridades públicas e ao interesse coletivo.

l) conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher;

Do mesmo modo que já era previsto na Lei nº 11.977/09 (Programa Minha Casa, Minha Vida), a lei atual de regularização fundiária urbana elege a mulher como a chefe de família, a responsável pela administração do lar e pelo cuidado essencial dos filhos. Os títulos de “legitimação fundiária” e “legitimação de posse” devem ser concedidos preferencialmente para as mulheres. Se for casada não será necessária a outorga uxória ou marital, pois o artigo 1.647 do Código Civil somente exige isso para “alienação” e no caso é “aquisição” de direito real. Entretanto, no registro de imóveis, dependendo do regime de casamento, o bem precisará ser registrado no nome da esposa e do marido. A única exceção é para aqueles que estão casados no regime de separação de bens.

Na regularização fundiária, o registro é realizado em ato único, o que significa dizer que as informações sobre a condição civil dos ocupantes titulares de direitos reais deverão constar do “projeto de regularização fundiária urbana” e da “certidão de regularização fundiária”.

m) franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização fundiária.

São “interessados” no processo de regularização os ocupantes e o dono do terreno. Não há previsão na Lei nº 13.465/17 de notificação dos ocupantes ou beneficiários da regularização fundiária urbana. A notificação é destinada apenas aos titulares de domínio, confinantes, responsáveis pela implantação do núcleo e terceiros interessados. Entretanto, isso não impede que os trabalhos desenvolvidos pela Prefeitura sejam acompanhados pelos interessados ou até mesmo que conte com a participação voluntária desses interessados em algumas ações.

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