REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

O que é regularização fundiária?

A regularização fundiária está regulamentada na Lei nº 13.465/17 e no Decreto nº 9.310/18. É conceituada como o instrumento da política urbana destinado a promover medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação de núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.

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A regularização fundiária urbana fundamenta-se em três importantes aspectos: a) é aplicável somente para núcleo urbano informal consolidado; b) o assentamento deve possuir uso e características urbanas; c) envolve medidas jurídicas, sociais, ambientais e urbanísticas.

A Lei nº 13.465/17 poderá ser adotada pelo Administrador Público na regularização de loteamentos, desmembramentos, desdobros, condomínios de casas, condomínios de lotes, conjuntos habitacionais, bairros irregulares, ocupados ilegalmente ou invadidos em violação a legislação penal. O critério fundamental é que seja “qualificado” e “declarado” pelo Município como “núcleo urbano informal consolidado”.

A regularização de assentamentos rurais, destinados à agricultura, pecuária, extrativismo e agroindústria, é de competência privativa da União. Já a regularização de assentamentos urbanos, com atividades de moradia, comércio, serviços, indústria, recreação e lazer, é de competência privativa do Município. O Estado poderá colaborar mediante a celebração de convênio para assessoria, repasse de recursos públicos ou aprovação ambiental, quando for o caso.

A dignidade da pessoa humana e o respeito à ordem pública somente podem estar presentes de modo completo se a regularização envolver o conjunto de medidas jurídicas, sociais, ambientais e urbanísticas que tornem o assentamento irregular em um bairro ou empreendimento equipado com abastecimento de água, fornecimento de energia domiciliar, drenagem de águas públicas, esgotamento sanitário e equipamentos comunitários. A simples abertura de matrículas individuais com o reconhecimento dos direitos reais dos ocupantes é insuficiente para atender ao propósito da Lei nº 13.465/17. A regularização fundiária deve ser integral, completa e una, dela não fazendo parte a regularização urbanística, isto é, o licenciamento municipal das construções, que será realizado independente e posteriormente a esta.

O Município é o ente federativo competente para promover o licenciamento urbanístico do núcleo urbano informal consolidado. A aprovação da regularização fundiária é de competência municipal e o Estado somente participará da aprovação ambiental se o Município não possuir órgão ambiental capacitado. O licenciamento é atividade-fim da Administração Pública, não podendo ser terceirizado à particulares, empresas e associações o procedimento administrativo de análise e aprovação.

Da análise complexa e sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, não deve ser adotada a regularização fundiária urbana quando: a) o núcleo urbano informal consolidado estiver situado em unidade de conservação de proteção integral; b) estiver situado em área de risco, insuscetível de eliminação, correção ou administração do risco na parcela por ele afetada; c) existir decisão judicial específica que impeça a análise, aprovação e registro da regularização; d) for terreno público, classificado como Reurb-E, ocupado após 22/12/16.

Quem faz regularização fundiária?

É comum afirmar que a Prefeitura é o órgão competente para promover a regularização das ocupações ilegais. Fala-se no “poder-dever” de regularizar, decorrente da competência constitucional que todos os Municípios possuem em “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (artigo 30, inciso VIII, da Constituição Federal).

Ainda segundo a Constituição Federal, “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (artigo 182, da Constituição Federal).

O Estatuto da Cidade reforça isso, ao estabelecer no artigo 2º, inciso XVI, que “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”, mediante a “regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais”.

E nos termos do artigo 4º, do Estatuto da Cidade, serão utilizados, entre outros instrumentos da política urbana, a “regularização fundiária”.

Embora o artigo 40, caput, da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, estabeleça que o Município “poderá” regularizar o loteamento ou desmembramento, isso é interpretado como um “dever”, e é assunto pacífico na jurisprudência dos tribunais o “dever” atribuído ao Município em fiscalizar a ocupação do solo urbano. Assim já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

O artigo 30, inciso VIII, da Constituição Federal, prevê a obrigação dos municípios na promoção do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Não se está diante de mera discricionariedade, sendo que o artigo 40, da Lei 6.766/76, expõe, em verdade, o poder-dever do ente municipal em promover o adequado ordenamento territorial. Trata-se, portanto, de uma atuação vinculada, e não discricionária. Precedentes STJ e TJRGS. Desta feita, no caso, deveria o Município de Gravataí, no exercício do seu poder de polícia, adotar medidas visando coibir tais situações de parcelamento irregular do solo urbano. Assim não fazendo, evidente que se omitiu nesse desiderato, não sendo plausível a alegação acerca da discricionariedade administrativa para se eximir de tais obrigações, mormente por haver norma legal expressa prevendo a sua responsabilidade pela regularização da área. Vale destacar que o fato de o loteamento contar com infraestrutura básica não afasta a obrigação do ente público de promover a necessária regularização fundiária da área na qual situado. (Apelação / Remessa Necessária, Nº 70085151652, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Julgado em: 29-09-2021)

É dever do Município, na hipótese de inércia dos loteadores, zelar pela regularização de loteamentos urbanos irregulares. O Município tem a obrigação de fiscalizar o loteamento e de impedir que ele se dê de forma irregular e, portanto, as obras necessárias à neutralização dos efeitos de sua omissão não estão reservadas à discricionariedade do Poder Público. Notificações e embargos não bastam para isentar o Município de sua responsabilidade, eis que tem ao seu alcance outras medidas mais eficazes, tal como a propositura de ações judiciais cautelares visando impedir o parcelamento irregular do solo ou o avanço do empreendimento. É dever do Município fiscalizar os loteamentos, desde a aprovação até a execução de obras. A responsabilidade é solidária do Município e do loteador pela inexecução das obras de infraestrutura urbana.

“É pacífico o entendimento desta Corte Superior de que o Município tem o poder-dever de agir para fiscalizar e regularizar loteamento irregular, pois é o responsável pelo parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, atividade essa que é vinculada, e não discricionária. Legitimidade passiva do ente municipal para figurar em ação civil pública que objetiva a regularização de loteamento irregular. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido” (REsp 447433 / SP, Rei Mm. Denise Arruda, em 1°.06.2006, DJ 22.06.2006 p. 178).

Forçoso concluir que a Municipalidade tem o dever e não a faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e bem-estar, porquanto a regularização decorre do interesse público e este é indisponível. (STJ – Recurso Especial nº 448.216/SP)

É inegável a obrigação do Município de ordenar a ocupação do solo urbano, promovendo a regularização de loteamentos clandestinos. Poder-dever da Municipalidade de fiscalizar e regularizar o parcelamento do solo (artigo 40, da Lei 6.766/79). Condenação solidária do Município e dos loteadores. (TJSP – Apelação Cível nº 2-56.2005.8.26.0337)

O Tribunal firmou entendimento contrário, assentando: “o Poder Público tem o poder-dever de substituir o parcelador inadimplente na execução de obras de infra-estrutura ou na formalização e regularização dos loteamentos e, em decorrência, sub-rogar-se em seus direitos. Tem o poder, porque lhe compete fiscalizar e coordenar a urbanização. Tem o dever, porque ao aprovar o loteamento, tornou-se responsável perante toda a coletividade.” O entendimento não merece qualquer censura, pois em harmonia com a jurisprudência desta Corte, firmada no sentido de que cumpre ao Município regularizar o parcelamento, as edificações, o uso e a ocupação do solo, sendo esta competência vinculada. (STJ – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 57.033 – SP (2011/0166155-8))

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO URBANÍSTICO. LOTEAMENTO IRREGULAR. MUNICÍPIO. PODER-DEVER DE REGULARIZAÇÃO. 1. O art. 40 da lei 6.766/79 deve ser aplicado e interpretado à luz da Constituição Federal e da Carta Estadual. 2. A Municipalidade tem o dever e não a faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-estar da população. 3. As administrações municipais possuem mecanismos de autotutela, podendo obstar a implantação imoderada de loteamentos clandestinos e irregulares, sem necessitarem recorrer a ordens judiciais para coibir os abusos decorrentes da especulação imobiliária por todo o País, encerrando uma verdadeira contraditio in terminis a Municipalidade opor-se a regularizar situações de fato já consolidadas. (…) 5. O Município tem o poder-dever de agir para que o loteamento urbano irregular passe a atender o regulamento específico para a sua constituição. 6. Se ao Município é imposta, ex lege, a obrigação de fazer, procede a pretensão deduzida na ação civil pública, cujo escopo é exatamente a imputação do facere, às expensas do violador da norma urbanístico-ambiental. 7. Recurso especial provido.” (REsp 448.216/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 17.11.2003, p. 204)

Sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça, a regularização dos loteamentos urbanos traduz verdadeiro poder-dever da municipalidade, haja vista a atribuição constitucional e legal do ente municipal em promover a adequada ocupação do solo urbano, e, no caso específico, a regularização de loteamentos irregulares, independentemente da omissão do loteador. A omissão da Administração Pública, ao se recusar a promover a regularização fundiária dos lotes, é manifestamente ilegal, pois favorece a situação de informalidade e ocupação urbana desordenada e contribui com a deterioração urbana e ambiental. A despeito disso, a responsabilidade pela realização de obras de infraestrutura, necessárias à regularização do empreendimento privado clandestino, é, primariamente, do loteador, e apenas subsidiariamente, do Município.

Quais são os requisitos para que ocorra a regularização fundiária?

A definição de um assentamento consolidado foi estabelecida pelo legislador para que sejam considerados três conceitos previstos nos incisos I, II e III, do artigo 11, da Lei nº 13.465/17, que constituem os elementos universais para identificação de um “núcleo urbano informal consolidado”, sujeito as regras da Lei nº 13.465/17 e do Decreto nº 9.310/18. Veremos adiante os três conceitos fixados pelo legislador: a) núcleo urbano; b) núcleo urbano informal; c) núcleo urbano informal consolidado.

Segundo o artigo 47, I, da Lei nº 11.977/09, já revogado, “área urbana” era a “parcela do território, contínua ou não, incluída no perímetro urbano pelo Plano Diretor ou por lei municipal específica.”

Pelo artigo 11, I, da Lei nº 13.465/17 e artigo 3º, I, do Decreto nº 9.310/18, “núcleo urbano” é o “assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972, independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural”.

Aqui ainda não estamos diante de uma situação informal ou consolidada, pois isso o legislador vai dispor nos incisos II e III, do mencionado artigo 11. Nessa primeira conceituação, a preocupação do legislador é trazer uma definição para os núcleos urbanos, de uma forma geral, assim como fazia a Lei nº 11.977/09 ao se referir a “área urbana”. Essa definição, entretanto, aplica-se apenas para fins de regularização fundiária urbana.

O núcleo urbano, pela lei nova, para que assim o seja considerado, deve apresentar alguns elementos:

a) assentamento humano;

b) com uso e características urbanas;

c) constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868/72;

d) independentemente da propriedade do solo;

e) ainda que qualificada ou inscrita como rural.

A Lei nº 11.977/09 não tinha uma definição de “área urbana informal”. Essa conceituação passa a ser empregada pela Lei nº 13.465/17, artigo 11, inciso II, e pelo artigo 3º, inciso II, do Decreto nº 9.310/18, segundo o qual “núcleo urbano informal” é “aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização”.

O artigo 11, inciso II, da Lei nº 13.465/17 adota a conceituação da doutrina antiga, especialmente de Diógenes Gasparini, que distinguia os parcelamentos do solo em legais e ilegais. Diógenes subdividia os parcelamentos ilegais em clandestinos e irregulares.

É núcleo urbano informal consolidado “aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município”, nos termos do artigo 11, inciso III, da Lei nº 13.465/17 e artigo 3º, inciso III, do Decreto nº 9.310/18.

Pelo artigo 21, § 3º, da Medida Provisória nº 759/16, que foi convertida na Lei nº 13.465/17, seriam “núcleos urbanos informais consolidados: I – aqueles existentes na data de publicação desta Medida Provisória; e II – aqueles de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelos Municípios ou pelo Distrito Federal”.

Essa medida provisória foi assinada em 22 de dezembro de 2016 e publicada em 23 de dezembro de 2016. Desse modo, pelo texto original dela, somente seriam considerados como “núcleo urbano informal consolidado” e poderiam ser regularizados os existentes em 23/12/2016, data de publicação da Medida Provisória nº 759/16.

No entanto, através de emenda parlamentar, o conceito de núcleo urbano informal consolidado proposto pela União foi alterado para que não mais exista uma data limite para o Município admitir a regularização de núcleos urbanos informais consolidados. O texto original da Medida Provisória nº 759/16 previa um marco temporal, uma data limite de existência ou implantação desses núcleos para que fossem qualificados como consolidados. É uma exigência que desapareceu do conceito de “núcleo urbano informal consolidado”. Como vemos pelo exposto no artigo 11, III, da Lei nº 13.465/17, “núcleo urbano informal consolidado” é “aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município”. Não há qualquer menção que esses núcleos sejam existentes em 22/12/16 ou anteriores a publicação da própria Lei nº 13.465/17. Nada disso foi exigido.

Estando a Prefeitura convencida de que foi implantado um núcleo e ele está efetivamente consolidado, poderá aplicar a Lei nº 13.465/17 independentemente da data em que tenha ocorrido essa consolidação, mesmo que posterior a entrada em vigor da Medida Provisória nº 759/16 ou da Lei nº 13.465/17.

Se por um lado emenda parlamentar tenha excluído o marco temporal, outras emendas parlamentares inseriram no texto original da Medida Provisória algumas restrições para o núcleo urbano informal consolidado implantado após 22 de dezembro de 2016 (data de assinatura da Medida Provisória nº 759/16).

Pelo artigo 9º, §2º, da Lei nº 13.465/17, “a Reurb promovida mediante legitimação fundiária somente poderá ser aplicada para os núcleos urbanos informais comprovadamente existentes, na forma desta Lei, até 22 de dezembro de 2016”. E pelo artigo 23, “a legitimação fundiária constitui forma originária de aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do poder público, exclusivamente no âmbito da Reurb, àquele que detiver em área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016”.

Mesmo sendo possível regularizar núcleo urbano informal consolidado após a entrada em vigor da nova legislação, a “legitimação fundiária” somente será possível se isso tiver ocorrido até 22 de dezembro de 2016, que é a data de assinatura da Medida Provisória nº 759/16.

Da mesma forma o artigo 98, da Lei nº 13.465/17, ao dispor sobre a venda dos lotes aos ocupantes pelo Poder Público quando a ocupação incidir sobre imóvel público: “Fica facultado aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal utilizar a prerrogativa de venda direta aos ocupantes de suas áreas públicas objeto da Reurb-E, dispensados os procedimentos exigidos pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e desde que os imóveis se encontrem ocupados até 22 de dezembro de 2016, devendo regulamentar o processo em legislação própria nos moldes do disposto no art. 84 desta Lei”.

E a nova redação dada aos artigos 1º, 2º e 9º da Medida Provisória nº 2.220/01 também impõe como um dos requisitos da “concessão de uso especial para fins de moradia” e da “autorização de uso” que a “posse” seja anterior a 22 de dezembro de 2016.

Os demais institutos jurídicos aptos a conferir domínio ou posse aos ocupantes não exigem esse marco temporal. É o caso da “legitimação de posse”, da “concessão de direito real de uso”, dos “contratos de compromisso de compra e venda”, da “usucapião”.

Houve uma evolução do legislador nesta conceituação, pois a matéria de núcleo urbano consolidado, área urbana consolidada, assentamento consolidado ou ocupação antrópica consolidada era tratada com um rigor maior pelas regulamentações passadas, que tinham previsão na Resolução CONAMA nº 303/02, na Lei nº 11.977/09 e em diversas normas de Corregedorias Gerais da Justiça destinadas aos serviços extrajudiciais.

Com a nova legislação, os Municípios assumem integralmente a competência para definir o que será qualificado como núcleo urbano informal consolidado.

Deverá a Prefeitura, na decisão que instaura o procedimento de regularização fundiária, declarar que o terreno constitui um “núcleo urbano informal consolidado”, situação permanente e de difícil reversão ao statu quo, isto é, à situação anterior das construções e das interferências ambientais e urbanísticas implementadas no imóvel, considerando alguns aspectos:

a) o tempo da ocupação com a verificação de eventuais documentos públicos ou privados, contas de luz, de água, tributos, intimações, embargos, contratos informais, fotos aéreas e do local, ofícios de órgãos públicos, ações judiciais, autuações criminais, que demostrem não se tratar de uma ocupação recente e, para fins de “legitimação fundiária”, “venda direta” ou “concessão de uso especial”, esteja consolidada até 22/12/16;

b) a natureza das edificações tem por objetivo identificar se são construções de natureza permanente que demandem prejuízo a sua demolição ou desmanche, ou se são apenas ocupações temporárias, como tendas ou coberturas de madeiras, facilmente removíveis, as quais não atendem ao requisito de “difícil reversão”;

c) a existência das vias de circulação, com a menção de sua localização em planos administrativos, é um indicativo de situação consolidada, com a formação de um bairro, com ruas ou passagens que garantam acessibilidade aos ocupantes;

d) a presença de equipamentos públicos, mesmo em assentamentos clandestinos demonstra o reconhecimento da situação de fato do assentamento urbano, e é comum, pois no cumprimento dos direitos fundamentais ou sociais assegurados pela Constituição Federal, pode ser que no imóvel já exista rede de água, esgoto, drenagem ou iluminação pública e domiciliar executados pelo próprio Poder Público, além disso, nos loteamentos mesmo que clandestinos ou irregulares, pode ser que o loteador tenha executado a infraestrutura urbana, total ou parcialmente;

e) circunstâncias de natureza cultural também devem ser levadas em consideração, pois pode ser um núcleo formado por pessoas que se identificam de alguma forma por laços tradicionais, religiosos, culturais, étnicos, que ali estabeleceram suas rotinas, seus estudos, seus locais de trabalho há anos, constituindo valores imateriais, que transcendem a simples apresentação de documentos, e exigem relatórios e pareceres da equipe de apoio social que demostre tais circunstâncias, isto é, o vínculo social que possuem com a terra que ocupam e o bairro que a circunda;

f) ainda podem ser incluídas outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município, tal como a existência de um cadastro imobiliário na Prefeitura para fins de lançamento individual do IPTU para cada unidade ocupada, o que é suficiente para demonstrar que o Município está reconhecendo e aceitando o assentamento, ou, ainda, podemos citar a concessão de títulos de posse ou a expedição de alvarás de construção, que também pressupõem o reconhecimento formal da situação consolidada e irreversível.

A demonstração da situação consolidada é requisito fundamental para o Administrador Público se valer dos benefícios da Lei nº 13.465/17 na regularização fundiária de sua cidade e deverá fazê-lo já na primeira etapa do procedimento de regularização fundiária, que é o requerimento e a decisão de instauração da Reurb. Só há razão para instaurar a Reurb se for núcleo consolidado e será este importante elemento da regularização que deverá ficar declarado e muito bem demonstrado no requerimento, na decisão e, consequentemente, no processo administrativo.

Qual a importância da regularização fundiária?

A “moradia” é um direito social previsto no artigo 6º, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 26/00. Esse direito tem relação com o artigo 1º, III, da Constituição Federal, ao dispor que o Brasil tem como um dos “fundamentos” a “dignidade da pessoa humana”. E o artigo 3º, III, também do Texto Constitucional, reforça esse mandamento ao constituir como um dos objetivos fundamentais do Brasil “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

O direito à moradia no ordenamento jurídico brasileiro é resultado da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, aprovada na Assembleia das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Estabelece seu artigo 25 que “todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”.

Além disso, o Brasil é signatário do “Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”, aprovado na Assembleia das Nações Unidas em 19 de dezembro de 1966. Estabelece em seu artigo 11, que “os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida”. Ainda segundo essa norma, “os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento”.

O direito de usar, gozar e dispor livremente veio condicionado ao exercício adequado da propriedade, que deve estar voltado às finalidades econômicas e sociais de seu uso, com respeito ao meio ambiente e ao patrimônio cultural, histórico e artístico. Segundo Venicio Antonio de Paula Salles, Desembargador da 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, “as cidades devem ser organizadas ou reorganizadas, cumprindo as metas de bem-estar social, com a dignificação humana, realizada pela conquista da melhor qualidade de vida”. A função social deve ser compreendida com o implemento de vários instrumentos da política urbana. Dentre esses, assume especial relevância a regularização fundiária1.

Estabelece o artigo 5º, XXII e XXIII, da Constituição Federal, que “é garantido o direito de propriedade”, mas “a propriedade atenderá a sua função social”. E de acordo com o artigo 170, II, III e VII, da Constituição Federal “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar à todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observados, dentre outros, os princípios da “propriedade privada”, da “função social da propriedade” e da “redução das desigualdades regionais e sociais”.

A regularização de “núcleo urbano informal consolidado” garante a conformidade da propriedade com sua função social, ao assegurar que os ocupantes do assentamento permaneçam no local e sejam atendidos com os serviços públicos de infraestrutura e instalação de equipamentos comunitários. Afasta-se o interesse individual, do proprietário do terreno, quando verificado e declarado pela Prefeitura a consolidação do núcleo, em razão de sua difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município.

A ideia fundamental e que caracteriza juridicamente o instituto da regularização fundiária, é no sentido de afirmar que o interesse público deve prevalecer sobre o interesse privado. Torna evidente que o equilíbrio das forças sociais é resultante da harmonia entre direitos opostos. E que em benefício do bem comum não deve prevalecer nunca o interesse que consubstancia o direito particular. A tese é válida para todas as legislações. O direito individual termina onde começa o da sociedade. A comunhão social não seria possível sem a obrigação individual de sacrificar-se o interesse particular em favor do interesse comum.

A regularização fundiária é norma de ordem pública, de modo que apanha o bem e o desliga de qualquer apropriação desde o momento em que a decisão municipal instaura o procedimento administrativo de regularização fundiária.

A Administração Pública tem o “poder-dever” de promover a regularização fundiária. Não é uma escolha, uma ação voluntária e discricionária do Poder Executivo Municipal. É atributo constitucional, determinado pelo artigo 30, VIII, da Constituição quando estabelece competir ao Município o controle do uso, ocupação e parcelamento do solo. Se o terreno particular ou público possui um assentamento consolidado, a Administração não tem alternativa e somente possui uma direção para sua providência governamental: regularizá-lo. Podemos afirmar que a consolidação do núcleo, por si só, torna fisicamente impossível modificar a situação fática, sem que para isso ocorram sérios e graves prejuízos à comunidade. Se está consolidado, com moradores, com trabalhadores, com benfeitorias e endereços postais, com vínculos tradicionais ou culturais, cabe ao Direito reconhecer que é impossível destruir ou demolir um assentamento humano em prestígio a um direito individual subjetivo e privado do dono do terreno. A consolidação provoca a perda do direito de propriedade pelo seu titular originário. Somente se o núcleo urbano for área de risco ou área de interesse ecológico insuscetível de ocupação será preciso, logicamente, para segurança e preservação de interesses difusos maiores, remover as famílias e construções. Fora isso, o direito a prevalecer é o da moradia, conjugado pela concretização do princípio da “função social da propriedade”. Deveria o dono do terreno ter tomado as medidas de defesa da posse previstas no Direito antes que houvesse sua consolidação. A propriedade será daqueles que estão nela, ocupando, a possuindo, e formando um assentamento consolidado, sem que o dono originário tenha qualquer direito à indenização.

Esses terrenos, especialmente os particulares, quando resultam em núcleos consolidados, assim surgem muito pela omissão do dono do terreno, pela ausência de segurança com instalação de muro, cerca, vigilância, conservação. Provocam eles um dano urbanístico e ambiental, que resulta em medidas a serem adotadas pela Prefeitura para trazê-los a legalidade. Na verdade, o dono originário submete o Poder Público municipal a um ônus, que poderia ser evitado caso fosse diligente na proteção ao seu patrimônio pessoal.

Quem pode fazer Reurb?

Segundo o artigo 14, §1º, da Lei nº 13.465/17, “os legitimados poderão promover todos os atos necessários à regularização fundiária, inclusive requerer os atos de registro”. Com exceção da infraestrutura essencial, que possui regramento próprio, tal como na regularização de interesse social, onde o Município é o responsável pela execução da infraestrutura, conforme veremos adiante. A rigor, a maioria dos atos são privativos do Poder Público, tal como as decisões que deferem ou indeferem a instauração da Reurb e a expedição da Certidão de Regularização Fundiária – CRF. Se esses atos não forem praticados por quem tem competência para fazê-los serão nulos. Mesmo na notificação, o legislador refere-se ao “Município” quando menciona o responsável por ela. O requerimento, o projeto de regularização fundiária ou o simples pedido de registro é algo que admite a participação de particulares na sua produção, os demais atos são próprios da Administração. O licenciamento urbanístico, com a emissão de alvarás de construção, habite-se e demais licenças são atos privativos do Poder Público. É a chamada atividade-fim. Pode-se delegar quase tudo numa cidade, menos o licenciamento urbanístico, ambiental, o lançamento e arrecadação de tributos. São atividades de Estado e os particulares apenas podem colaborar nessas funções, com cursos, consultorias, sistemas de informação, estudos, pareceres e levantamentos técnicos ou ambientais.

Como solicitar Reurb?

Pelo artigo 40, da Lei Federal nº 6.766/79, a legitimidade para propor a regularização dos loteamentos ou desmembramentos é do Município ou do Distrito Federal. O loteador também poderá promover a regularização do parcelamento. É ele, aliás, quem possui preferência para dar início as medidas visando a regularização do parcelamento, já que compete ao Poder Público notificá-lo para que este proceda a regularização. Somente quando desatendida a notificação pelo loteador, é que o Poder Público assume o dever de realizar a regularização do parcelamento.

Já a Lei nº 13.465/17 amplia bastante a legitimidade para propor a regularização dos núcleos urbanos. São legitimados, conforme o seu artigo 14:

a) a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, diretamente ou por meio de entidades da administração pública indireta;

b) os seus beneficiários, individual ou coletivamente, diretamente ou por meio de cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária urbana;

c) os proprietários de imóveis ou de terrenos, loteadores ou incorporadores;

d) a Defensoria Pública, em nome dos beneficiários hipossuficientes; e

e) o Ministério Público.

Disposição semelhante consta no artigo 7º, do Decreto nº 9.310/18.

A União, os Estados ou o Distrito Federal poderão requerer a instauração da Reurb quando forem titulares do imóvel sobre o qual está inserido o núcleo urbano informal consolidado.

Esses possuem o poder-dever de regularização das ocupações ilegais, decorrente do que estabelece o artigo 30, VIII, da Constituição Federal e artigo 40, da Lei nº 6.766/79. Seja o imóvel de domínio da União, do Estado ou de um particular, ou mesmo sem proprietário identificado, a Prefeitura não só “pode” requerer a instauração da Reurb, como “deve” e tem o “poder” para condução do procedimento de regularização fundiária. Embora a competência para legislar, para fazer leis, sobre Direito Urbanístico, seja da União, dos Estados ou do Distrito Federal, a verdade é que o licenciamento urbanístico, com os alvarás, licenças, habite-se, historicamente sempre esteve na competência privativa dos Municípios. Daí porque a doutrina e jurisprudência são pacíficos na obrigação dos Municípios promoverem as regularizações.

O requerimento da Reurb também pode ser apresentado pelos chamados beneficiários, que são os ocupantes das unidades imobiliárias, desde que instruam o requerimento com seus documentos pessoais e provando que residem na área onde pretendem a regularização fundiária. Como estabelece a lei, o requerimento poderá ser apresentado apenas por um beneficiário (individual) ou através de associação que os represente (coletivamente), instruindo o requerimento com documento que prove tal condição (estatuto social).

Fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária urbana estão legitimadas para requerer a instauração de processo administrativo de regularização fundiária.

A “associação de moradores” habilitada para requerer a regularização fundiária é somente aquela instituída para cuidar dos interesses do “núcleo urbano informal consolidado” ou do bairro onde está inserido.

O estatuto social dessas instituições deverá constar dentre as finalidades sociais atividades voltadas para o desenvolvimento urbano ou regularização fundiária urbana. Não é qualquer fundação, organização ou associação que pode requerer a Reurb, mas somente aquelas que possuam interesse direto na matéria, conforme previsto em seus fins sociais.

Além disso, as “organizações sociais” e as “organizações da sociedade civil de interesse público” possuem um tratamento diferente. As “organizações sociais” devem ser qualificadas pelo Poder Executivo, atendendo aos requisitos da Lei nº 9.637/98. Na cidade de São Paulo, a Lei nº 14.132/06 exige que as “organizações sociais” existam há pelo menos 05 (cinco) anos. Já as “organizações da sociedade civil de interesse público” são regulamentadas pela Lei nº 9.790/99, que dentre os requisitos exigidos para a qualificação, está o de estar constituída e em funcionamento há, no mínimo 03 (três) anos. Não será qualquer “organização social” ou “organização da sociedade civil de interesse público”, mas aqueles que possuam dentre suas finalidades estatutárias o “desenvolvimento urbano ou regularização fundiária urbana”.

Também pode requerer a Reurb o proprietário da área, que pode ser um particular ou reforçando o que já estabelece o inciso I, do artigo 14, da Lei nº 13.465/17, um dos entes federativos dono do imóvel. O proprietário além de interesse, tem obrigação de tomar medidas que protejam sua propriedade, respeitando as posturas municipais e cumprindo as determinações das autoridades competentes.

Na hipótese de ser um parcelamento do solo ilegal, que possua a figura do loteador ou incorporador, estes não são legitimados a requerer a Reurb. Essa responsabilidade do loteador ou incorporador decorre do artigo 40, da Lei nº 6.766/79.

Nem todas as ocupações ilegais são decorrentes de parcelamento do solo, isto é, loteamento, desmembramento, condomínios. Daí porque nem todas as ocupações ilegais possuem um responsável pela implantação ou um loteador ou incorporador.

Cabe a Defensoria Pública a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. Somente os hipossuficientes podem ser atendidos pela Defensória Pública e o legislador deixou isso bem claro no inciso IV, artigo 14, da Lei nº 13.465/17. Os hipossuficientes são assim classificados segundo critérios adotados pela Defensoria Pública da União. No caso da Reurb, os hipossuficientes precisam ser beneficiários, isto é, ocupantes, moradores do núcleo urbano informal consolidado. Somente na representação de ocupantes hipossuficientes é que poderá atuar a Defensoria Pública.

O Ministério Público também é legitimado a requerer a instauração da Reurb. Não são apenas ofícios ou requisições realizadas pelo Ministério Público pedindo informações ou cobrando solução, aqui o que o legislador prevê é um requerimento, nos termos do artigo 14, V, da Lei nº 13.465/17, onde literalmente o Promotor de Justiça requer a abertura do processo administrativo de regularização fundiária de determinado núcleo consolidado, pelos motivos que justificar.

Uma das pessoas legitimadas pelo artigo 14, da Lei nº 13.465/17 deverá apresentar ao Município ou ao Distrito Federal, conforme o caso, requerimento para instauração da Regularização Fundiária Urbana – Reurb.

Este requerimento deverá apresentar a qualificação do requerente, o interesse em solicitar a regularização, todos os fatos históricos de ocupação do núcleo urbano informal, juntando desde já desenhos, memoriais, certidões e todos os documentos que possuir relacionados a área ocupada.

Mesmo quando o requerente for o próprio Município ou o Distrito Federal, é necessário para o devido formalismo processual que o procedimento seja dado início com uma petição assinada pelo Chefe do Poder Executivo ou Secretário, dependendo da organização administrativa de cada ente federativo.

O requerimento poderá ser apresentado já com o Projeto de Regularização Fundiária ou poderá aguardar que o Poder Público indique as diretrizes para sua elaboração.

Na Reurb-E, compete ao requerente legitimado fornecer as certidões que comprovem a titularidade de domínio da área, providenciar o levantamento topográfico georreferenciado e apresentar o memorial descritivo da área e a planta do perímetro do núcleo urbano informal com demonstração, quando possível, das matrículas ou das transcrições atingidas (artigo 24, §15, do Decreto nº 9.310/18).

Quais os tipos de Reurb?

Não existem “tipos” de Reurb. O que existem, da melhor expressão técnico-científica, são as “modalidades” de regularização fundiária.

A regularização fundiária urbana é classificada em duas modalidades: a) regularização de interesse social, denominada Reurb-S, para os núcleos urbanos informais consolidados ocupados por população predominantemente de baixa renda; e b) regularização de interesse específico, denominada Reurb-E para os núcleos urbanos informais consolidados ocupados por população não classificada como de interesse social. Tudo que não é de interesse social (Reurb-S), que não é população predominantemente de baixa renda, será de interesse específico (Reurb-E). É desse modo que define o artigo 13, da Lei nº 13.465/17:

Art. 13. A Reurb compreende duas modalidades:

I – Reurb de Interesse Social (Reurb-S) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal; e

II – Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I deste artigo.

O artigo 13, § 5º, da Lei nº 13.465/17 e também o artigo 5º, §8º, do Decreto nº 9.310/18, repetindo a norma, determina que “a classificação do interesse visa exclusivamente à identificação dos responsáveis pela implantação ou adequação das obras de infraestrutura essencial e ao reconhecimento do direito à gratuidade das custas e emolumentos notariais e registrais em favor daqueles a quem for atribuído o domínio das unidades imobiliárias regularizadas”.

Dessa forma, deixou bem claro o legislador que a distinção entre interesse social e interesse específico é aplicável para duas finalidades: a) a responsabilidade pela implantação das obras de infraestrutura; b) a isenção de taxas e emolumentos no Cartório de Registro de Imóveis.

Entretanto, a própria Lei também aplica essa classificação para fins de titulação dos ocupantes, tal como para restringir no artigo 23, §1º, a “legitimação fundiária” apenas na Reurb-S.

A classificação da modalidade de regularização fundiária poderá estar regulamentada por um decreto do Prefeito. Esse decreto regulamentador, é amplo e genérico, sendo aplicável a todos os núcleos urbanos informais consolidados. Não é obrigatório que exista esse decreto regulamentando a classificação pelo Município.

No entanto, a declaração da modalidade de regularização fundiária é obrigatória e deverá ocorrer através de um “ato administrativo”. Esse “ato administrativo” que classifica a regularização fundiária é a “decisão” que instaura o procedimento de regularização e deverá haver uma “decisão” para cada “núcleo urbano informal consolidado”.

Pelo artigo 6º, do Decreto nº 9.310/18, o critério para classificação como Reurb-S (interesse social) poderá ser regulamentado por ato do Poder Público municipal, consideradas as peculiaridades locais e regionais de cada ente federativo, e “não poderá ser superior ao quíntuplo do salário-mínimo vigente no País”.

Como vimos, a classificação da modalidade de regularização, se Reurb-S ou Reurb-E, é obrigatória, e ocorre na decisão de deferimento ou indeferimento de instauração da Reurb.

No entanto, essa classificação poderá, facultativamente, estar regulamentada anteriormente à decisão de deferimento da Reurb por um ato do Poder Executivo Municipal, sendo o decreto o ato administrativo mais adequado por produzir efeitos externos à Administração Pública. A finalidade do decreto municipal é estabelecer a composição ou a faixa da renda familiar para definição de população de baixa renda, que para ser classificada como Reurb-S (interesse social) não poderá ser superior a cinco salários-mínimos de renda mensal familiar. Poderá o Município, portanto, estabelecer qualquer composição ou faixa de renda familiar “até” cinco vezes o salário-mínimo. Poderá ser menor que esse patamar, mas nunca superior a ele.

Este decreto também poderá definir a proporção do que será considerado como núcleo “predominantemente” ocupado por famílias de baixa renda.

É um decreto regulamentador simples, que pode ter em seu artigo primeiro e principal a conceituação de núcleo urbano informal consolidado de interesse social nos seguintes termos: “é considerado núcleo urbano informal consolidado de interesse social, classificado como Reurb-S, o núcleo ocupado por 90% ou mais de famílias com renda mensal familiar de até cinco salários mínimos vigentes no país.”

É interessante observar que o legislador não denominou qual seria o ato administrativo declarando o núcleo como Reurb-S (interesse social) ou Reurb-E (interesse específico). Concluímos que esse ato administrativo seja a decisão que instaura o procedimento de regularização fundiária urbana. Assim é a partir da análise do artigo 30, inciso I, §2º e artigo 32, ambos da Lei nº 13.465/17, os quais estabelecem ser de competência do Município deferir o requerimento e classificar, caso a caso, uma das modalidades da Reurb no prazo de até 180 dias ou, neste mesmo prazo, indeferir o requerimento.

A classificação deve ser realizada caso a caso, conforme literalmente prevê o artigo 30, inciso I, e não poderá ser uma classificação genérica, aplicável para toda a cidade. Isto quer dizer que os núcleos urbanos informais consolidados devem ser regularizados individualmente e não todos de uma vez.

Dessa forma, o ato administrativo a que se refere o artigo 13, inciso I, da Lei nº 13.465/17 não é um decreto municipal, mas a decisão da autoridade competente deferindo ou indeferindo a instauração da Reurb. É lógico que a declaração classificando o núcleo urbano informal consolidado também pode ser realizada por um decreto municipal, que também é um ato administrativo, mas cabe destacar que o legislador não se referiu a decreto, mas sim a ato do Poder Executivo Municipal, que abrange um rol muito grande de atos administrativos.

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